Por Finólia Aroeira
Meus queridos, sabia que um dia saberia descrever o que representou para nós, ver de perto, o mar pela primeira vez. Falo de um domingo de carnaval, um dia após chegarmos à Ilha do Governador, vindos de São João Del Rei, em 1964. Driblando meia-dúzia blocos de sujo, até a praia do Bananal, ficamos horas sobre a pedra da onça, encrespando a baía com nossos sonhos… Meu pai, Justino, tinha uma Belina café com leite e minha mãe, Darcília, nem sabia, mas já tirava onda naquela época, pois era ela quem dirigia o possante do velho Justo.
No carnaval de 1975, foi a primeira vez que desfilei e a estreia da União da Ilha no Grupo Principal, com o enredo “Nos Confins de Vila Monte”.
É impossível não lembrar a cena da minha mãe com uma touca de meia na cabeça, me levando para pegar a fantasia, dirigindo feito uma louca pela estrada do Galeão. De repente um ônibus da linha 910, Bananal/ Madureira, começou a nos intimidar, forçando passagem, até que o sinal fechou e o demônio do motorista acabou com a traseira da Belina. Não podia acreditar que logo no dia em que desfilaria pela primeira vez, estava indo para a 37ª delegacia de polícia, pois além do carro amassado, o sujeito chamou minha mãe de “mulatinha abusada!”, e ela tascou a mão na cara dele! O povo que desceu do ônibus, já indignado, ficou do nosso lado e alguns foram conosco registrar o boletim de ocorrência. Parecíamos um bando de cangaceiros indo enfrentar a Volante em defesa de uma “mulatinha abusada”. Discute daqui, acusa dali, as horas iam passando, o desfile se aproximando e o entrave só terminou, porque tive a ideia de desmaiar. Só que ela não acreditou na minha encenação, levando-me para o hospital Paulino Werneck, o que aumentou, ainda mais, minha ansiedade. Depois de tanta confusão, consegui pegar a fantasia e desfilar.
Ao final, avistei meus pais que me aguardavam encostados na Belina amassada. No caminho de volta, velho Justo falava sobre o conserto do carro, enquanto eu tentava traduzir em palavras toda a emoção que o desfile havia me proporcionado. Minha mãe, com a cabeça explodindo, apenas gesticulava, para que eu falasse mais baixo. Ficamos em 9º nono lugar…E lá se vão 40 anos…
“Sob o Sol escaldante
Gemia o Nordeste de dor
Nos confins de Vila Monte
Uma triste estória se passou
O beato rezadeiro
Arrastava a multidão
E a fúria do cangaço
Assolava o sertão…” União da Ilha/ 1975
Finólia Aroeira, do Leme para o mundo. Dezembro/ 2015