“No domingo de carnaval de 1978, saí da Ilha do Governador com Therezinha, pela manhã, rumo à Madureira para ela cortar o cabelo no salão/ casa de seu amigo Cido, que na noite se transformava na drag queen Cibele, e também para buscar nossas fantasias de Carmem Miranda, no atelier do Vicente, no mesmo bairro. Seria a estreia de Therezinha na Portela! Achei muito estranho o comportamento dela, que praticamente passou a viagem inteira falando que não via a hora de chegar, pois queria conhecer a filha adotiva de Cibele. Descemos do ônibus, andamos uns dez minutos debaixo do bafo de um dragão, abrimos o portão vila, a porta da casa e ao colocarmos os pés direto naquele sinteco que mais parecia um espelho, ouvimos a voz de seu amigo: “Catarina! Volte aqui, menina! ”. Em questão de segundos, adivinhem quem surge diante dos nossos olhos? Catarina! Uma macaca de verdade! Não sabíamos o que fazer, pois a mesma começou a gritar e literalmente voou em direção a Therezinha, procurando um de seus peitos para mamar! No meio da confusão, surgiu Cibele, num robe de seda florido, e conseguiu evitar o aleitamento de Catarina. Nós duas em estado de choque, urinamos o sinteco inteiro!
Se não fosse a mãe da macaca faminta, nem sei o que teria acontecido. Só pensava na fantasia que tinha que pegar,
no desfile e na avenida! Não tínhamos onde nos esconder, mas depois de litros de água com açúcar, o cabelo da “mãe de leite” foi cortado, pegamos nossas “Carmens” e voltamos para a Ilha sem darmos uma palavra. Saltamos no ponto da Eletrolândia da Cacuia e nos jogamos no bar do Elói, precisávamos digerir o susto que levamos. E só foi o tempo de tomar um banho e partir, já que a Portela seria a sexta escola a desfilar.
Com o enredo Mulher à Brasileira, a escola de Madureira homenageou as mulheres naquele carnaval. Estava linda! Quando começamos a formar, o presidente da ala gritou: “Fileira com dez! Fileira com dez! Vamos, gente! Catarina, completa aqui a fileira da Finólia! ”. Tenho certeza que a Frozen já existia naquela época, pois nossas espinhas foram congeladas de pânico. Enquanto Therezinha se transformava num pequinês, com os olhos esbugalhados, eu arquitetava um plano de fuga para dentro do mangue. Ficamos imóveis de mãos dadas, mas no final deu tudo certo: a Portela conquistou o quinto lugar e nós nos tornamos amigas da xará da filha de Cibele! Só quem viveu, sabe o que foi aquele carnaval de 78…”
Finólia Aroeira, do Leme para o mundo. Dezembro/ 2019!
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